Interação na web transforma a relação entre quem vota e quem se elege, abrindo caminho para a consolidação das eleições 2.0 no Brasil
A próxima campanha eleitoral só começa oficialmente daqui a mais de seis meses. As articulações e especulações, entretanto, já começaram faz tempo. E, em todo esse movimento, tem chamado atenção a cada vez mais forte presença de políticos nas redes sociais. Em momentos importantes – como, por exemplo, a queda do ex-ministro do Esporte, Orlando Silva – a maior parte das declarações de aliados e adversários repercutidas na imprensa têm sido feitas através do Twitter. Lá mesmo eles abastecem repórteres, interagem com eleitores e rebatem (ou não) as críticas.
Nas eleições presidenciais de 2010, a rede de microblogs teve uma importância bastante relevante, e ajudou – entre outras coisas – a organizar as grandes mobilizações em torno da campanha de Marina Silva, que saiu da disputa em terceiro lugar, mas com um coeficiente eleitoral cobiçadíssimo de quase 20 milhões de votos.
Em 2012, deveremos ter um cenário com as redes sociais desempenhando um papel ainda mais forte. Além do próprio Twitter, o Facebook vem ganhando território e com um potencial de difusão bem mais amplo.
As regras para uso dessas ferramentas ainda não estão bem definidas e, certamente, terão um impacto grande sobre a relevância que elas exercerão. Mas uma coisa é certa: teremos uma eleição bem diferente de todas as outras até aqui.
Para Felipe Vaz, que foi coordenador de mídias sociais da campanha de Marina Silva, as mídias sociais poderão mudar a forma como o brasileiro lida com a política. “Aos poucos o diálogo com o eleitor vai se tornar mais importante”, explica.
Em entrevista ao Administradores, Felipe fala sobre as perspectivas para as eleições 2012 nas mídias sociais, analisa a conjuntura brasileira e explica o papel do marketing nas campanhas (e, claro, enquanto profissional da área, faz a sua defesa!).
Campanha de Marina Silva em 2010 foi fortemente baseada na internet/ Imagem: reprodução |
Nas últimas eleições presidenciais nos EUA, a internet foi muito importante, não só para a campanha em si, mas também para o financiamento da mobilização que elegeu Barack Obama. Você acredita que podemos avançar aqui nesse modelo de captação de recursos, em um futuro breve?
Acredito que vai levar tempo para mudar a cultura. Aqui não temos o hábito da doação de pessoa física para campanhas, e em 2010 foi a primeira vez em que se pode fazer doações online para campanhas no Brasil. Espero que avancemos nesse modelo, pois candidatos cujas campanhas são custeadas pelo público devem se manter fiéis a seus eleitores, e não atender aos interesses dos grande grupos econômicos que hoje financiam as campanhas. O novo ministro do Esporte, por exemplo, teve sua campanha financiada por empreiteiras da Copa. Será que ele vai atender aos interesses da população exclusivamente?
Você acredita que, com a popularização da internet, a velha política dos caciques estará realmente com os dias contados?
Não. Mas se as mídias sociais forem (e acredito que vão) se tornando mais importantes dentro das campanhas, aos poucos o diálogo com o eleitor vai se tornar mais importante. Vai ser mais difícil manter currais políticos, mas esta mudança deve ser lenta.
Pela natureza das mídias digitais, a tendência é que a distância entre candidato e eleitor se torne menor. Isso, pelo menos em tese, implica um diálogo mais direto entre essas duas partes e, principalmente, atenção às cobranças depois da eleição, durante o mandato. Os políticos brasileiros estão cientes disso?
Alguns políticos usam bem estas redes, sobretudo o Twitter. Os que tenho visto aproveitar bem são os legisladores, não só pra dialogar diretamente com os eleitores, mas também como forma de pautar a mídia. Eles usam seus perfis como seus canais particulares com o público. Já outros não têm o mesmo cuidado. É curioso ver o último tweet da Dilma: ela diz, em dezembro de 2010, que em 2011 “quer conversar mais com as pessoas pelo Twitter”. Desde então, só houve silêncio.
Último tweet de Dilma/ Foto: reprodução |
O marketing político é visto como vilão por muita gente. O que você pensa sobre o assunto?
O marketing em geral também é visto como vilão por muitos. Eu não vejo necessariamente assim. Há sim marketing baseado em propaganda mentirosa, e parte do marketing político é baseado nesse modelo. Eu sou totalmente contra a propaganda mentirosa, seja na política ou fora dela. De resto, são esforços de comunicação, é preciso chegar ao seu público e fazê-lo conhecer suas ideias e mostrar os diferenciais entre candidatos. Eventualmente, o eleitor vai descobrir que é com as ideias do seu candidato que ele se identifica. A meu ver, este é um serviço útil. No caso das mídias sociais, há espaço para diálogos e para o estabelecimento de comunicações mais significativas com os candidatos, discussão de propostas, algo mais distante do marketing/branding de sabão em pó da TV.
No caso específico do marketing político digital, você não acha que ele de alguma maneira compromete o caráter popular e espontâneo das mobilizações virtuais?
Não. Há tentativas de forjar mobilizações, e nunca vi uma dar certo. O melhor que o marketing político pode fazer é dar instrumento à militância: escutando-a, repercutindo as ideias dos próprios eleitores, amplificando-as, redistribuindo o que a própria militância faz de mais bacana. Para funcionar bem, nosso trabalho deve ser como o meio-campo que recebe a bola e arma jogadas, e não como atacante (ou como o cara da criação da publicidade, que inventa sacadas geniais e distribui na mídia massiva). A campanha de Marina funcionou bem porque entendemos como produzir engajamento com os eleitores dela.